022 - estratégias radicais para o futuro
recepção, articulação e relacionamento com as palavras
RESUMO: O presente texto foi realizado no âmbito da disciplina de Estados, Formas e Processos da Cultura na Atualidade. Visa refletir sobre a cultura e o futuro, a partir das palavras recepcionar, articular e relacionar. Esse terceiro relato crítico considera o pensamento de Ailton Krenak como contribuição principal do desenvolvimento do texto, também visa relatar a visita do Museu das Culturas Indígenas. Portanto, propõe um breve relato crítico, tendo em vista o olhar para as estratégias de reflorestamento do nosso imaginário, reflorestar o mundo das ideias a partir da recepção, articulação e relacionamento com as palavras.
Palavras-chave: Cultura; Futuro; Reflorestamento; Museu das Culturas Indígenas.

1 RECEPCIONAR
Na conferência Habitando a Terra no Antropoceno em abril de 2025, Ailton Krenak na Collège de France comunica seu pensamento sobre metrópoles e seus efeitos civilizacionais. Em relação à habitação e perspectivas do futuro, Krenak (2025) considera que vivemos na monocultura da mente, cultura de cultivar uma única mentalidade.
Nesse sentido, o projeto que está vigente é de uma monocultura da mente, com viés ideológico universalista e homogêneo. A resistência a esse projeto está na recepção, articulação e relacionamento de diferentes culturas, domínios de saberes e conhecimentos acumulados por diversas experiências.
Em primeiro lugar, Krenak (2025) sinaliza que, ao olhar para o tapete urbano, há dificuldades do tecido social para o reflorestar. Krenak nos questiona: Por que essas narrativas não nos entusiasmam? Por que elas vão sendo esquecidas e apagadas em favor de uma narrativa globalizante, superficial, que quer contar a mesma história para a gente? (Krenak, 2020, p. 15). Nesse sentido do reflorestamento do nosso imaginário, visão que está ligada ao modo de ver o mundo.
Núñez (2021, p. 2) aponta que “nessas monoculturas, um dos eixos centrais é o pressuposto da não concomitância”, que implica em uma agenda de ação no mundo, bem como orienta modo de habitação, criando-se distinção dos demais seres. Nesse sentido, a Florescidade é um conceito a partir de dois termos, floresta e cidade, para mencionar a urgência da cidade ser floresta, compor, pertencer, ocupar. Ou seja, de se ter mudanças radicais para de fato revolucionar a nossa mentalidade em relação às cidades, que possibilite habitar a cidade em harmonia com a floresta.
Outrossim, a Florestania corresponde à floresta e à cidadania. Krenak menciona que esse neologismo representa uma experiência histórica dos povos indígenas e dos seringueiros, no final da década de 1970. Essa experiência representa a vitória em defesa do livre fluxo do rio, bem como a continuidade da floresta. Uma representação simbólica da luta e do desejo pelos povos indígenas, em prol da diversidade, pluralidade das formas de vida e da existência.
2 ARTICULAR
O Museu das Culturas Indígenas (MCI), inaugurado em 2022, atua em parceria com lideranças de diversos povos indígenas. Apresenta-se como uma instituição museológica e propõe caráter dialógico com o público. Nesse sentido, a partir da institucionalização na cidade de São Paulo, aparenta recepcionar, articular e relacionar histórias e memórias de resistência e resiliência indígenas.
Através da arte e da cultura, esse espaço também atua como um Centro de Pesquisa e Referência. A visita inicia-se com a introdução dos Mestres de Saberes, que se acompanham ao longo da visita nos demais espaços expositivos. É uma tentativa de introduzir a escuta atenta ao público com temáticas como a dimensão da floresta, Mata Atlântica, biodiversidade, resistência e da luta pelos territórios.
Assim, recepcionar outras humanidades e criar meios de recepção de todos os seres que habitam a atualidade é um caminho para pensar o futuro. Uma vez que a palavra revolução perpassa um momento de esgotamento de significados, pode-se dizer, segundo expressão grega, que toda palavra que é o início e o fim de qualquer coisa, esgota-se?
A poesia, contação de histórias e oratória são caminhos para construção da ideia de futuro e também do distanciamento da ideia de abismo coletivo. Porque possibilita a articulação e relação do tecido social, com capacidade de reflorestamento no mundo das ideias. Em suma, o campo da memória é a ponte para a cidadania, uma tentativa que não aproxime a integração coletiva como clientes pelo sistema capitalista.
A partir da escuta, pode-se reestabelecer a nossa memória de cidadania. Memória que é estabelecida, construída e mantida através da contação de histórias e contos, sobretudo para crianças, nas comunidades dos povos originários no Brasil. Então, uma das estratégias radicais para o futuro começa com a palavra. Mas não só. Em Futuro ancestral, de Ailton Krenak, o futuro é vinculado a um projeto mais amplo, assume a possibilidade de um mundo radicalmente diferente.
Nesse sentido, é importante pensarmos mais nos nossos vínculos e referências. Se considerarmos que: “Essas pessoas foram arrancadas de seus coletivos, de seus lugares de origem, e jogadas nesse liquidificador chamado humanidade. Se as pessoas não tiverem vínculos profundos com sua memória ancestral, com as referências que dão sustentação a uma identidade, vão ficar loucas neste mundo maluco que compartilhamos” (Krenak, 2020, p. 13).
Em A vida não é útil, Krenak já salientava seu posicionamento quanto ao conceito ocidental de utilidade, progresso e futuro otimista. Uma vez que o futuro depende de uma construção diária e contínua que exige e demanda uma mudança radical com a relação da humanidade para com o planeta Terra. Nessa concepção de futuro, buscamos elencar nesse texto as principais características dos povos indígenas da busca por um futuro e assim compreender o pensamento estratégico para aproximarmos dessa construção.
Um aspecto é da falácia de que a tecnologia resolverá tudo, propondo um distanciamento ao termo Progresso, diferente do eurocêntrico. Krenak sugere que a própria dissolução da ideia de humanidade, mas atenta para um lugar onde possamos nos reconfigurar radicalmente. Isso significa produzir “outros corpos, outros afetos, sonhar outros sonhos para sermos acolhidos por esse mundo” futuro.
Pois, a Terra como um organismo vivo e a importância de mantermos na memória a lição da mais recente pandemia de coronavírus, de 2019 (COVID-19). Bem como, a nossa consciência para o antropocentrismo e desconfiando de um destino humano superior. Logo, o futuro está no presente, onde habitam os sonhos e as alegrias da vida. Popularizou seu pensamento ao concretizar suas ideias para sintetizar que a vida não tem nenhuma utilidade, na contramão do pensamento capitalista e neoliberalismo corrente.
Portanto, onde estariam as estratégias para além da palavra? Diante do pressuposto teórico, a esperança apresenta-se na micropolítica. Em agentes e propostas no olhar para a micropolítica. A memória e história de resistência dos povos indígenas são essenciais para a construção de mudanças radicais.
3 RELACIONAR
No Brasil, seguimos sendo incapazes de acolher pessoas, sobretudo os povos originários. Recorremos às práticas coloniais que sobrevivem até hoje na mentalidade das pessoas (Krenak, 2020, p. 30). Compreendemos que vivemos na pós-modernidade, identificada como Antropoceno. Em suma, é um período de mudanças sociais, culturais, artísticas, filosóficas, científicas e estéticas.
Busca-se pelo exercício disciplinado de encontrar no sonho as orientações para as nossas escolhas do dia a dia. Ailton Krenak aponta que esse exercício do dia a dia, estas pequenas escolhas, não se conseguem fazer fora do sonho, mas que ali estão abertas como possibilidades. A imaginação de outro mundo possível, para o autor, é no sentido de: reordenamento das relações e dos espaços, novos entendimentos sobre como podemos nos relacionar com aquilo que se admite ser a natureza.
Assim como estamos hoje vivendo o desastre do nosso tempo, ao qual algumas pessoas chamam Antropoceno. A grande maioria está chamando de caos social, desgoverno geral, perda de qualidade no cotidiano, nas relações, e estamos todos jogados nesse abismo. (Krenak, 2020, p. 47). E por que nos causa tamanho desconforto a sensação de estar caindo?
De fato, estamos, mas às vezes, parece por um momento, que esses abismos sempre estiveram de mãos dadas com todos nós. O abismo, quando aceitamos, temos a chance durante a vida, para construir “paraquedas coloridos”, a começar por nós mesmos e aos nossos microambientes.
Portanto, pensar as estratégias para o futuro a partir do pensamento indígenas, é um gesto radical de resistência frente a realidade e lógica do Antropoceno. A partir das micropolíticas, possibilitasse interrogações para a monocultura da mente, onde o futuro são práticas cotidianas, ancorada na escuta das palavras.

REFERÊNCIA
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